Versos Ofídicos

Algumas linhas ofídicas (mas não ofensivas), venenosas (mas não mortais)...

quinta-feira, 29 de junho de 2006

A Revolta dos Mendicantes

Às vezes eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem que não passa por aqui. Não que ache legal ou queira sempre ser do contra, mas algumas situações do cotidiano, que para muitos é algo legítimo e cegamente aceito, para mim são momentos que exigem um pouco mais de reflexão. E os temas corriqueiros me fazem pensar mais do que Platão ou Aristóteles (assim como, para escolher um candidato a qualquer posição de poder, consulto primeiro os amigos próximos, depois os próprios pleiteantes).

Há alguns dias um colega disse algo interessante, que me fez estagnar no tempo, ainda que por questões de milésimos, para pensar. Reclamou de um terceiro na história que negou-se a dar R$ 2,50 em uma revista (ou era um livreto?) de suposto bom conteúdo, dizendo que para uma cerveja nunca faltaram R$2,00. Aí falou: “Né não, Rafa?”; ao que lhe respondi: “Né não!”.

Ora, é claro que a revista (ou livreto) traria algum retorno no campo cognoscitivo do colega, ao passo que a cerveja concorreria para exatamente o oposto. Entretanto, o pequeno compêndio não pagaria uma tarde de prosa com amigos, de descanso, de lazer, de mediocridade. A meu ver, o ócio e a mediocridade também são partes indissociáveis do ser humano.
Não quero fazer o elogio do ócio nem a apologia do álcool. Transponha esse exemplo para uma outra situação de sua vida. Porque a prioridade não é o momento? Porque temos de ter sempre horário pra isso, horário pr'aquilo? Porque não pensamos no futuro vivendo o presente?
Esse exemplo é sugestivo porque, para quem, assim como eu, é pobre de nascência, o estudo tem um peso incomensurável para a ascensão futura. E aí, quanto mais estudamos, mais descobrimos o quanto essa asserção é falsa. E quando combatemos esses falsos dogmas que tentam a todo custo nos incutir, somos arautos do absurdo nesse mundo quem dera são; jovens insulares pescando insanidades na pacífica, fantástica e positivista ilha azul da galáxia.
Mesmo assim, entre o rosto e o retrato, entre o real e o abstrato, entre a loucura e a lucidez, entre o uniforme e a nudez, continuamos remando. Contra a maré.