Festa no Céu
Dizem que, de tempo em tempo, ocorrem patuscas e garbosas festas no céu. Como tudo o que diz respeito aos assuntos divinos, tais comemorações também têm seu objetivo específico.
Certa vez o céu, de maneira súbita e inopinada – como é quando acontece – foi povoado de entes humanos, pessoas (ainda) de carne e osso. Sem cerimônia de apresentação: terminada a estada na Terra, viram-se em meio a santos e deidades de segundo escalão (já que o Chefe não permitiu a participação do alto clero) em um ambiente muito bem ornado aos caprichos dos deuses, com direito a chuva de graças e bem-aventuranças.
Havia um conjunto musical com trombetas distorcidas e harpas envenenadas, acompanhadas de percussão formada por vasos de alabastro e um piano que tocava por si, sem a participação direta de nenhum dos músicos-anjos presentes. Ainda assim, o som que a banda produzia ali, ao vivo, era ameno, delicado e prazeroso.
Era um salão aberto grande e pomposo, rodeado de nuvens por toda parte. O chão era composto de pétalas de rosas e, a cada passo que os dançantes executavam, o balé das rosas embelezavam o cenário glorioso e oferecia mais brio ao louvável balanço celestial. Havia uma tenda ostentosa em que era distribuído suco de maçã gratuitamente – batizado como suco do discernimento. Entretanto, o consumo desse líquido era terminantemente proibido entre os participantes. Ordens superiores. Ainda assim, a tenda estava sempre lá. O maître era eloqüente, sedutor e persuasivo, tinha um olhar dissimulado e sorriso sarcástico, limitado apenas ao canto direito da boca. Houve quem bebeu do sumo. Os convivas, mesmo sem saber por ora exato o porquê de estarem ali, gozavam de maneira desprendida aquele momento gáudio de celebração jubilosa. A aura divina que emanava do local contagiava a todos, deixando-os em pleno estado de graça e beatitude. O idioma que todos falavam era o mesmo, embora não pudessem julgar efetivamente qual era; talvez nem o conhecessem. Do mesmo modo, por mais que desviasse toda atenção para a fisionomia dos santos que os receberam para o evento mágico, ninguém seria capaz de defini-los ou descrevê-los.
Crianças nunca participavam de celebrações desse porte, regra que era seguida à risca nesse ensejo. Cada infante que chegava era encaminhado por uma escadaria de lanços cintilantes que culminava num facho de luz branca, onde os pequenos reverberavam até sumirem em meio ao clarão intraduzível. De quando em quando, indivíduos que já saíram da infância eram flagrados subindo a escada, mas com o consentimento oficial do Anfitrião. Há quem diga que essas pessoas, que cruzavam indiferentes o salão de festas, iam a Seu encontro. Diz-se, ainda, que há muitas pessoas não dignas de passar pelo salão celestial e são encaminhadas sem escalas para uma solenidade onde se executam rituais tétricos, lúgubres e macabros. Mas era longe dali. Ali era pura exaltação.
A considerar-se o tempo terreno, já deviam se passar mais de 8 horas correntes de festividade. E, de repente, a banda deu outro ritmo ao sublime evento divinal e começou a tocar um som pesado. Os convidados pouco mudaram suas atitudes, já que ali, por se situarem num plano supra-humano, não valiam as mesmas conveniências da falda terrestre. Perceberam que não eram mais de carne e osso. Alguns, como num passe de mágica, começavam a sumir. Sempre que isso acontecia, o garçom da tenda dava um pequeno sorriso com o canto direito da boca. Em geral, desapareciam os que haviam bebido do seu suco gratuito. Os santos começaram a se organizar em frente aos portões que guardavam a escadaria tremeluzente. Em sua maioria, eram membros da Ordem dos Paladinos de São Pedro. Com pergaminhos na mão, organizavam a fila e chamavam, um por um, os nomes dos que conseguiram permissão para encontrar com o Dono da festa. Foi um trabalho demorado e, por vezes, aborrecido por conta dos queixosos que não sumiram nem constavam nas listas. Mas, com a paciência que Deus lhes deu, contornavam a situação, explicando aos suplicantes que, se não estavam registrados na lista mas não sumiram, não haveria o que temer. Ficariam bem.
Então, findou-se mais uma festa no céu. Alguns acontecimentos ficaram incertos e inexplicados e os boatos continuam a correr indiscriminadamente. Dizem que as pessoas que desapareciam foram dançar no baile macabro. E que os que não entraram nem se escafederam permaneceram de carne e osso e voltaram para o lugar de onde vieram, para uma segunda chance.
E dizem que a próxima festa será na Terra.
Certa vez o céu, de maneira súbita e inopinada – como é quando acontece – foi povoado de entes humanos, pessoas (ainda) de carne e osso. Sem cerimônia de apresentação: terminada a estada na Terra, viram-se em meio a santos e deidades de segundo escalão (já que o Chefe não permitiu a participação do alto clero) em um ambiente muito bem ornado aos caprichos dos deuses, com direito a chuva de graças e bem-aventuranças.
Havia um conjunto musical com trombetas distorcidas e harpas envenenadas, acompanhadas de percussão formada por vasos de alabastro e um piano que tocava por si, sem a participação direta de nenhum dos músicos-anjos presentes. Ainda assim, o som que a banda produzia ali, ao vivo, era ameno, delicado e prazeroso.
Era um salão aberto grande e pomposo, rodeado de nuvens por toda parte. O chão era composto de pétalas de rosas e, a cada passo que os dançantes executavam, o balé das rosas embelezavam o cenário glorioso e oferecia mais brio ao louvável balanço celestial. Havia uma tenda ostentosa em que era distribuído suco de maçã gratuitamente – batizado como suco do discernimento. Entretanto, o consumo desse líquido era terminantemente proibido entre os participantes. Ordens superiores. Ainda assim, a tenda estava sempre lá. O maître era eloqüente, sedutor e persuasivo, tinha um olhar dissimulado e sorriso sarcástico, limitado apenas ao canto direito da boca. Houve quem bebeu do sumo. Os convivas, mesmo sem saber por ora exato o porquê de estarem ali, gozavam de maneira desprendida aquele momento gáudio de celebração jubilosa. A aura divina que emanava do local contagiava a todos, deixando-os em pleno estado de graça e beatitude. O idioma que todos falavam era o mesmo, embora não pudessem julgar efetivamente qual era; talvez nem o conhecessem. Do mesmo modo, por mais que desviasse toda atenção para a fisionomia dos santos que os receberam para o evento mágico, ninguém seria capaz de defini-los ou descrevê-los.
Crianças nunca participavam de celebrações desse porte, regra que era seguida à risca nesse ensejo. Cada infante que chegava era encaminhado por uma escadaria de lanços cintilantes que culminava num facho de luz branca, onde os pequenos reverberavam até sumirem em meio ao clarão intraduzível. De quando em quando, indivíduos que já saíram da infância eram flagrados subindo a escada, mas com o consentimento oficial do Anfitrião. Há quem diga que essas pessoas, que cruzavam indiferentes o salão de festas, iam a Seu encontro. Diz-se, ainda, que há muitas pessoas não dignas de passar pelo salão celestial e são encaminhadas sem escalas para uma solenidade onde se executam rituais tétricos, lúgubres e macabros. Mas era longe dali. Ali era pura exaltação.
A considerar-se o tempo terreno, já deviam se passar mais de 8 horas correntes de festividade. E, de repente, a banda deu outro ritmo ao sublime evento divinal e começou a tocar um som pesado. Os convidados pouco mudaram suas atitudes, já que ali, por se situarem num plano supra-humano, não valiam as mesmas conveniências da falda terrestre. Perceberam que não eram mais de carne e osso. Alguns, como num passe de mágica, começavam a sumir. Sempre que isso acontecia, o garçom da tenda dava um pequeno sorriso com o canto direito da boca. Em geral, desapareciam os que haviam bebido do seu suco gratuito. Os santos começaram a se organizar em frente aos portões que guardavam a escadaria tremeluzente. Em sua maioria, eram membros da Ordem dos Paladinos de São Pedro. Com pergaminhos na mão, organizavam a fila e chamavam, um por um, os nomes dos que conseguiram permissão para encontrar com o Dono da festa. Foi um trabalho demorado e, por vezes, aborrecido por conta dos queixosos que não sumiram nem constavam nas listas. Mas, com a paciência que Deus lhes deu, contornavam a situação, explicando aos suplicantes que, se não estavam registrados na lista mas não sumiram, não haveria o que temer. Ficariam bem.
Então, findou-se mais uma festa no céu. Alguns acontecimentos ficaram incertos e inexplicados e os boatos continuam a correr indiscriminadamente. Dizem que as pessoas que desapareciam foram dançar no baile macabro. E que os que não entraram nem se escafederam permaneceram de carne e osso e voltaram para o lugar de onde vieram, para uma segunda chance.
E dizem que a próxima festa será na Terra.
1 Comments:
At 27/1/07 9:28 AM, Ricardo Ferreira said…
O pior é que tem gente elitista, que como todo VIP se considera feita de um material diferente do restante da mole humana, referta da certeza absoluta de ter sua audiência adredemente garantida com o Anfitrião.
Atitude ingênua e triste, como toda arrogância.
Abraço.
Postar um comentário
<< Home