Versos Ofídicos

Algumas linhas ofídicas (mas não ofensivas), venenosas (mas não mortais)...

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Uma Noviça Nada Rebelde

Era um sonho de criança para ela levar uma vida benfazeja, dedicada exclusivamente à vontade do Senhor, ainda que para isso tivesse de ficar reclusa naquele airoso e pacífico convento, renegando aos caprichos seculares em prol do exercício da fraternidade cristã. Passara por quase toda a burocracia necessária para ser elevada ao status de noviça, sendo que, para que tal promoção se efetivasse, seria preciso passar pelo crivo da madre superiora, como era praxe naquele santuário feminino. E eis que estava ali, frente a frente à grande madre para a última sabatina.

A senhora segurava entre as mãos o relatório biográfico da candidata, o qual lia concentrada e com expressão sisuda e impassível. Estranhando o perfil da moça, resolveu começar por confirmar alguns dados que cuidava para não pré-julgar incongruentes.

- Nome?
- Bianca Rosemberg, madre.
Os muitos anos de hábito, oração e penitência, evidenciados nas rugas habilmente desenhadas pela caneta do tempo, condicionaram a madre de tal forma que ela nunca julgava ninguém por modos, aparência, trejeitos ou coisa que os valha. Mas, ao ouvir a designação da candidata não conseguiu frear um pensamento tão fugidio quanto pecaminoso: “nome de puta”.

- O que fazia da vida antes de resolver se dedicar à santimônia?
- Eu era, digamos... uma mulher de vida fácil.

A madre reparou que não tinha lido sobre isso na biografia da menina. Lembrou-se de Maria Madalena e, indiferente, perguntou sutil e pausadamente:

- Eu não entendi, senhorita.
- Então, madre: meu pai é um homem muito rico. Eu sempre tive tudo o que quis ao meu alcance, nunca tive nada por esforço e merecimento próprios. Cansei dessa exacerbação da vida material e resolvi me dedicar à espiritualidade, por isso estou aqui. Cansei das facilidades mundanas – o semblante de Bianca manifestava sincera puerícia. - Acho que as meninas colocaram tudo isso aí nesse papel, dê uma olhada.

“Bem, também não se tem certeza de que Maria Madalena é uma meretriz”, pensou a madre. Entretanto, depois da observação da pleiteante, ela resolveu que ia cuidar para não esboçar a possibilidade remota de talvez cometer uma gafe. E continuou a ler o escrito:

- Ensino médio completo... mini curso de música sacra... voluntária no grupo de crisma...
- Eu queria dar pro padre!

Dessa vez a madre soltou um incontido gemido de susto. Franziu a testa e, lentamente, desviou o olhar sério para Bianca. A candidata segurava um pequeno escapulário e um crucifixo nas mãos.

- Era do meu avô. Sabe, ele foi o único que me apoiou desde quando tomei essa decisão. Morreu há duas semanas – interrompeu sua fala por conta dos soluços da saudade. O olhar casto estava marejado.

A madre resolveu mudar de assunto por dois motivos: para que a menina se distraísse da lembrança gran-paterna e para que ela mesma se distraísse de eventuais pensamentos impuros, os quais tentava de todas as formas evitar. Começava a achar que a menina estava brincando com ela.

- A senhorita gosta de animais, Bianca?
- Sim, sim, gosto muito grande madre. Nesse sentido sempre fui incompreendida justamente por acharem que eu tenho um gosto excêntrico em se tratando de bichinhos. Mas, fazer o quê, né? O mundo animal não é só dos cachorros, gatos ou cavalos. Até reparei no pequeno zoológico ao fundo do nosso prédio. Fiquei encantada!

Na verdade, a madre não queria aquela garota dentre as outras. Em menos de dez minutos de conversa a menina lazarenta já tinha ressuscitado pensares impuros que a madre suprimia com sucesso havia 40 anos. Para conseguir um motivo, resolveu explorar o lado materialista da menina. Já que era filha de gente rica, haveria alguma necessidade do mundo concreto na qual considerasse indispensável, e era ali que a menina seria pega.

- Existe algo que a senhorita não tem e que gostaria de ter?
- Um pinto!

A madre, horrorizada, lançou um berro estridente que se fez ouvir por toda a comunidade conventual. Por um instante não soube como reagir à resposta de Bianca.

- Mas... como assim... minha filha... do que você está falando?
- Ué, madre. Não falávamos de animais? O Zoológico? Então... eu sei que isso não é normal, mas gosto dos galináceos. Há quem goste de gatos, cachorros. Eu gosto de galináceos: pinto, frangote no máximo. Passou daí está pronto pra panela. Temos que comer, né? Madre? Madre?

A madre superiora tinha se retirado. E depois daquele dia nenhuma das freiras nunca mais a viu nem teve notícias concretas sobre. O último cochicho é de que ela está se dedicando à meditação e vive no ostracismo num mosteiro medieval indiano.

Bianca Rosemberg foi ordenada noviça através de documento devidamente assinado pela madre. E desde então desempenha um importante e bonito trabalho solidário na comunidade.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Pequeno Nada Sobre a Humanidade

A casa era grande: 3 quartos, copa, cozinha, 2 banheiros, sala-de-estar (que não é mais do que uma sala) lavanderia e pequeno quintal nos fundos. Mas a pequenina barata, menos asquerosa do que desditosa, tinha que inventar de passar justamente sobre o tapete persa da sala da TV, cuja programação prendia a atenção de toda a família naquele morno início de tarde dominical. O inseto perambulava distraído e inocente pelo hall principal do lar Silveira quando deparou-se com a enorme sombra de um objeto voador não identificado que rumava célere e crescente em sua direção. Antes que pudesse esboçar reação de fuga, a ínfima baratinha foi terrivelmente esmagada pelo sapato 44 do dono da casa. A família, antes assustada com o aparecimento súbito e inopinado daquele ser extremamente nojento, estava agora aliviada por virem-se a salvo da ameaça do pequeno vertebrado de antenas. O patriarca emanou incontida satisfação ao ouvir o estalo do inseto atingido por sua certeira sapatada. Arrastou o pequeno defunto pra fora da sala e visão dos parentes. E todos riram de sua própria condição humana.

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Ele é dono de uma grande empresa do ramo de confecções, representante exclusivo das maiores e melhores franquias na cidade. Ascendeu rapidamente à condição de magnata, graças ao estrondoso sucesso de vendas que sua outrora lojinha alçou em 1 ano de atividade. Homem de poucos amigos, mas de muita influência, gerencia seu negócio sempre de acordo com as regras de administração que não raro sofre mutações cíclicas de forma a se adaptar frequentemente aos anseios e evoluções do mercado.
Chamou naquela tarde à sua sala Zacarias, o zelador, antigo funcionário do seu império cujas qualidades de dedicação e empenho no trabalho chamavam a atenção dos clientes e amigos de trabalho. Sempre tranqüilo e prestativo, Zacarias nunca havia contestado qualquer pedido do patrão e, pelo contrário, executava a mais penosa tarefa de bom grado. O patrão, que nunca o olhara nos olhos e mal dava-lhe bom dia, queria hoje falar-lhe pessoalmente. Zacarias pensava se tratar da atualização de sua carteira de trabalho e, claro, do aumento que o diretor do sindicato disse que ele tinha direito e que já tinha sido encaminhado ao patrão o pedido.
Pela primeira vez em 4 anos ele olhou nos olhos de Zacarias e disse, com voz firme e sem hesitação, que acabava de dispensá-lo de suas obrigações com a empresa alegando um reforma interna no grupo, contenção de gastos e que ele não respondia mais ao perfil de zelador que a empresa necessita. Antes que Zacarias pudesse apelar, ele pediu que se retirasse e passasse no RH para os acertos da demissão. Zacarias saiu triste, cabisbaixo, pensando em como dar a notícia para a mulher grávida e os dois pequenos filhos. E, aliviado, o patrão ria-se de sua condição humana.

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Acuado, os últimos sobreviventes do exército B esconderam-se estrategicamente nas ruínas de um casarão antigo, devastado pelo efeito produzido pelas armas de destruição em massa disparadas pela tropa militar A. Cerca de 400 combatentes A, cientes da localização do exército inimigo, investiram irracional e violentamente sobre os 40 ou 50 soldados acoitados sobre escombros da velha mansão. Em menos de 1 hora de batalha não havia mais alma viva dos combatentes B, enquanto a milícia “vencedora” comemorava as poucas baixas e o objetivo alcançado. O cabo correspondente tratou de informar os superiores o quanto antes o resultado do embate. A maioria absoluta dos soldados do exército A não sabia certo porque estavam ali. Mas todos celebravam e riam de sua condição humana.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Cid Moreira lê o direito de resposta de Brizola no JN

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A propósito do vídeo acima...

Uma cena antológica.

No dia 15 de Março de 1994, quem ligou a televisão na Rede Globo na hora do Jornal Nacional assistiu a algo, no mínimo, impressionante: Cid Moreira, figura mais representativa do telejornalismo brasileiro, maculava as Organizações Globo em seu próprio jornal. Tratava-se de um direito de resposta concedido a Leonel Brizola, que buscava desde fevereiro de 1992, quando veicularam que ele estava com “declínio da saúde mental” e “deprimente inaptidão administrativa”.

Vale a pena conferir.