Uma Noviça Nada Rebelde
A senhora segurava entre as mãos o relatório biográfico da candidata, o qual lia concentrada e com expressão sisuda e impassível. Estranhando o perfil da moça, resolveu começar por confirmar alguns dados que cuidava para não pré-julgar incongruentes.
- Nome?
- Bianca Rosemberg, madre.
- O que fazia da vida antes de resolver se dedicar à santimônia?
- Eu era, digamos... uma mulher de vida fácil.
A madre reparou que não tinha lido sobre isso na biografia da menina. Lembrou-se de Maria Madalena e, indiferente, perguntou sutil e pausadamente:
- Eu não entendi, senhorita.
- Então, madre: meu pai é um homem muito rico. Eu sempre tive tudo o que quis ao meu alcance, nunca tive nada por esforço e merecimento próprios. Cansei dessa exacerbação da vida material e resolvi me dedicar à espiritualidade, por isso estou aqui. Cansei das facilidades mundanas – o semblante de Bianca manifestava sincera puerícia. - Acho que as meninas colocaram tudo isso aí nesse papel, dê uma olhada.
“Bem, também não se tem certeza de que Maria Madalena é uma meretriz”, pensou a madre. Entretanto, depois da observação da pleiteante, ela resolveu que ia cuidar para não esboçar a possibilidade remota de talvez cometer uma gafe. E continuou a ler o escrito:
- Ensino médio completo... mini curso de música sacra... voluntária no grupo de crisma...
- Eu queria dar pro padre!
Dessa vez a madre soltou um incontido gemido de susto. Franziu a testa e, lentamente, desviou o olhar sério para Bianca. A candidata segurava um pequeno escapulário e um crucifixo nas mãos.
- Era do meu avô. Sabe, ele foi o único que me apoiou desde quando tomei essa decisão. Morreu há duas semanas – interrompeu sua fala por conta dos soluços da saudade. O olhar casto estava marejado.
A madre resolveu mudar de assunto por dois motivos: para que a menina se distraísse da lembrança gran-paterna e para que ela mesma se distraísse de eventuais pensamentos impuros, os quais tentava de todas as formas evitar. Começava a achar que a menina estava brincando com ela.
- A senhorita gosta de animais, Bianca?
- Sim, sim, gosto muito grande madre. Nesse sentido sempre fui incompreendida justamente por acharem que eu tenho um gosto excêntrico em se tratando de bichinhos. Mas, fazer o quê, né? O mundo animal não é só dos cachorros, gatos ou cavalos. Até reparei no pequeno zoológico ao fundo do nosso prédio. Fiquei encantada!
Na verdade, a madre não queria aquela garota dentre as outras. Em menos de dez minutos de conversa a menina lazarenta já tinha ressuscitado pensares impuros que a madre suprimia com sucesso havia 40 anos. Para conseguir um motivo, resolveu explorar o lado materialista da menina. Já que era filha de gente rica, haveria alguma necessidade do mundo concreto na qual considerasse indispensável, e era ali que a menina seria pega.
- Existe algo que a senhorita não tem e que gostaria de ter?
- Um pinto!
A madre, horrorizada, lançou um berro estridente que se fez ouvir por toda a comunidade conventual. Por um instante não soube como reagir à resposta de Bianca.
- Mas... como assim... minha filha... do que você está falando?
- Ué, madre. Não falávamos de animais? O Zoológico? Então... eu sei que isso não é normal, mas gosto dos galináceos. Há quem goste de gatos, cachorros. Eu gosto de galináceos: pinto, frangote no máximo. Passou daí está pronto pra panela. Temos que comer, né? Madre? Madre?
A madre superiora tinha se retirado. E depois daquele dia nenhuma das freiras nunca mais a viu nem teve notícias concretas sobre. O último cochicho é de que ela está se dedicando à meditação e vive no ostracismo num mosteiro medieval indiano.
Bianca Rosemberg foi ordenada noviça através de documento devidamente assinado pela madre. E desde então desempenha um importante e bonito trabalho solidário na comunidade.